Introdução
O exercício físico sistematizado promove modificações bioquímicas, morfológicas e fisiológicas no sistema músculo-esquelético, alterando sua funcionalidade e capacidade de produzir força. Tais adaptações funcionais podem ser otimizadas dependendo da característica da contração muscular. A literatura aponta o efeito da contração muscular excêntrica nos processos indutores de microlesões celulares, muito maior quando comparada aos demais tipos de ação muscular. Da mesma forma, evidências científicas relatam a importância da tensão desenvolvida no exercício excêntrico para o desencadeamento de síntese de proteínas. O presente artigo tem como objetivo abordar tal temática, trazendo informações relevantes quanto aos eventos moleculares envolvidos na instalação da fadiga muscular.
Treinamento físico e ruptura da homeostasia celular
Os organismos buscam manter suas condições ótimas de funcionamento sistêmico através da regulação de sua homeostasia, de forma que há muitos mecanismos de controle envolvidos nas respostas aos diversos agentes estressores (Rietveld, 1996). Considerando o treinamento físico uma condição exógena de estresse, a aplicação de estímulos estressores, representados pela intensidade, duração e frequência do exercício físico, deve sempre buscar o desequilíbrio da homeostasia dos sistemas biológicos de maneira consistente com as possibilidades de adaptação do indivíduo.
Condições favoráveis de adaptação ao estímulo estressor permitem ao organismo a reorganização de seu mecanismo funcional para o restabelecimento de um estado homeostático ideal: respostas adaptativas positivas dependerão da correta alternância entre indução de estresse e tempo de regeneração após a sessão de treinamento (Bompa, 1990). Estímulos adequados, dentro dos limites da tolerância e da segurança, tendem a causar ruptura nos padrões tecidual e bioquímico, de forma que haja, durante o intervalo entre os esforços de treinamento, a reparação e a restauração tecidual, acompanhadas por um grau de hipercompensação que eleva a capacidade orgânica para um novo nível de performance (Antunes Neto et al., 2005). Com a adaptação do organismo ao agente estressor, se um mesmo estímulo de estresse for imposto novamente após a ocorrência da adaptação, os mecanismos homeostáticos não serão rompidos na mesma extensão (Fry et al., 1992).
A elevação da capacidade dos sistemas biológicos para novo um nível de performance atlética dá-se através da supercompensação de substratos bioquímicos. Ela atua como o período de restabelecimento de um determinado substrato bioquímico para níveis superiores aqueles encontrados no início da sessão de treinamento. Portanto, os fatores que delimitarão a ocorrência da supercompensação serão a otimização dos intervalos de recuperação/repouso entre sucessivas sessões de treinamento e a regulação da carga de treinamento em cada atividade programada (Antunes Neto, 2008; Antunes Neto et al., 2008a). O objetivo em selecionar os intervalos e cargas de treinamento de modo otimizado encontra-se em assegurar que uma subsequente sessão de treinamento coincida com a fase de supercompensação (Zatsiorsky, 1995).
A supercompensação metabólica é um mecanismo de ajuste regulatório que possui um curso de tempo rápido em comparação com eventos de síntese protéica (Antunes Neto et al., 2006). Para que ocorram efeitos benéficos de supercompensação, as atividades desenvolvidas na sessão de treino devem estar interligadas com as demais atividades programadas para o “microciclo”. O microciclo representa uma série de unidades de treinamento com objetivos delimitados a curto prazo, tendo duração, geralmente, de uma semana (Stone, 1990). A unidade de treino é o elemento básico da estrutura de periodização, visando a integração progressiva dos meios e métodos de treinamento, que buscam proporcionar, a cada dia de atividade desenvolvida, o estímulo necessário para a obtenção da performance programada (Gomes, Araújo Filho, 1992). O planejamento do microciclo é o momento mais importante da organização da periodização, pois os estímulos de carga de treinamento aplicados em uma série de unidades de treinamento devem estar em total concordância também com os objetivos a médio prazo (mesociclo) e a longo prazo (macrociclo), funcionando como um “elo” rumo à melhoria da performance física ou atlética.
A complexidade do microciclo encontra-se justamente na otimização de uma relação volume x intensidade de treinamento dentro de um espaço temporal limitado (Fry et al., 1992). A alternância entre carga de treinamento aplicada e tempo de recuperação de esforço físico é o fator decisivo para a ocorrência da adaptação positiva, uma vez que qualquer erro na quantificação e qualificação destes dois elementos pode não conduzir aos resultados esperados no microciclo, bem como ocasionar um estado de fadiga prolongado (“overreaching”), prejudicial à continuidade das atividades programadas para o microciclo seguinte (Antunes Neto et al., 2008b; Antunes Neto et al., 2008c). Neste direcionamento, Verkhoshansky (1996a) ressalta que, para o êxito de uma estrutura racional de microciclo, três fatores devem ser levados em conta: as reservas de glicogênio muscular e hepática e a velocidade de compensação destas, o tempo requerido para a ocorrência de síntese protéica e o potencial funcional dos sistemas hormonais.
O “mesociclo” é a estrutura da periodização que determina a obtenção concreta de adaptações morfo-funcionais, dando condições de transição orgânica para estágios superiores e específicos de performance atlética. Tem a duração, em média, de quatro a seis microciclos, o que possibilita ao técnico esportivo visualizar e formular, de forma mais ampla, as estratégias de aplicação das cargas de treinamento e os períodos de recuperação; o tempo de cada mesociclo dependerá, também, dos objetivos estabelecidos e do número de competições na temporada (Wathen, 1994). A natureza do esporte e o estágio do ciclo de treinamento atlético determinam a ênfase que deve ser dada aos conteúdos básicos para desenvolvimento de capacidades e habilidades físicas gerais e específicas de requerimento da modalidade. No caso de treinamento de força, Cook e Stewart (1996) salientam que o técnico esportivo necessita, primeiramente, tomar as seguintes decisões quanto à manipulação da sobrecarga de treinamento: determinar o objetivo do programa; decidir se o foco deve estar centrado no desenvolvimento de força, potência ou resistência muscular; estabelecer repetições, séries, resistência e intervalos de repouso apropriados para o estágio de treinamento.
Nesta perspectiva, Wathen e Roll (1994) dividem o treinamento de força considerando o estágio de treinamento no qual o atleta se encontra: a fase resistência ocorre nos estágios iniciais da periodização do treinamento, com duração de 1 a 6 semanas. Nesta fase, o objetivo principal é desenvolver resistência (muscular e metabólica) de base para as futuras etapas de treinamento (privilegiam-se atividades de baixa intensidade e volumes elevados); fase força, onde há maior implementação de atividades intervaladas com níveis de intensidade mais pronunciados; fase potência, com aumento de sobrecarga permitindo desenvolvimento de força em alta velocidade, próxima aos limites máximos de rendimento do atleta.
Quando se aborda sobre os mecanismos de adaptação dos sistemas biológicos, deve ficar claro que há eventos que emitem respostas a curto prazo e eventos que necessitam de um maior tempo de interação dos fatores que permitirão ao organismo gerar alguma forma de adaptação. Trabalhos iniciais de Adolph (1964) já enfatizavam que o agente estressor, no nosso caso o exercício físico, induz uma alteração funcional na constância do sistema afetado, o qual responde prontamente na tentativa de restabelecer seus parâmetros de normalidade. Tal atividade biológica pode ser entendida como um ajuste regulatório, cujo objetivo é solucionar uma condição momentânea de perturbação: ajustes regulatórios não levam, necessariamente, a alterações morfológicas e funcionais duradouras (Zoppi et al., 2006; Zoppi et al., 2003). A supercompensação dos substratos metabólicos é um exemplo de ajuste regulatório, pois pode ocorrer a curto prazo, de uma sessão/mesociclo de treino para outra (Antunes Neto et al., 2007a, Antunes Neto et al., 2007b, Antunes Neto et al., 2007c). Para a manifestação de respostas adaptativas duradouras, os parâmetros de intensidade, duração e frequência do estímulo de treinamento deverão interagir-se com as condições de adaptabilidade do organismo, inscritas no material genético. Portanto, os ajustes regulatórios podem desempenhar uma primeira etapa indutora para que haja a aquisição de alterações compensatórias estáveis. As adaptações estáveis, deste modo, necessitam de um período de longo prazo para se “materializarem”, pois seus efetores atuam em atividades com diferentes latências e intensidades visando as alterações morfo-funcionais (Lazarim et al., 2009).
Os mecanismos de adaptação a longo prazo são estabelecidos pelas relações intrínsecas entre fatores endógenos e exógenos, de forma a vir obter um declínio gradual e progressivo das reações de estresse. Merson (1984), em trabalho clássico, estabelece três estágios para a ocorrência das adaptações:
O primeiro estágio caracteriza-se pela ação complexa entre hiperfunção do sistema especificamente responsável para a adaptação a um dado fator, reações de estresse não específicas (aumento da atividade dos sistemas adrenérgicos e hipófise-adrenal, produzindo mais catecolaminas e glicocorticóides) e alteração funcional por mudança em homeostasia. Realizando um paralelo com a teoria da síndrome de estresse, proposta por Selye (1965; 1970), pode-se dizer que este estágio corresponde à fase de alarme da reação de estresse, onde o organismo busca desenvolver estratégias adaptativas para responder favoravelmente à condição estressante.
O segundo estágio, correspondente à transição entre adaptação a curto prazo e adaptação a longo prazo, é marcado pela ativação dos processos de síntese protéica nas células dos sistemas especificamente requisitados, o que desencadeia no aumento da potência funcional do sistema dominante para a adaptação e num declínio gradual das reações de estresse. Contudo, dependendo da complexidade relacional entre fatores orgânicos e ambientais, pode-se não obter uma circunstância ideal para as respostas adaptativas positivas. Como um resultado, a ruptura homeostática inicial persiste e as reações de estresse da fase de alarme tornam-se intensas e prolongadas, podendo iniciar um quadro de sobretreinamento (overtraining) (Kuipers, 1998).
O terceiro estágio manifesta-se quando há adaptações morfológicas e funcionais, bem como a ausência das reações características de estresse das fases iniciais do processo adaptativo. O alcance deste estágio é o ponto central na estruturação do treinamento físico-esportivo, de forma que a sua obtenção dependerá preponderantemente do processo metodológico utilizado e das condições de suporte ao treinamento. Porém, a manutenção do estágio ideal não se apresenta como uma tarefa menos simples, haja visto que uma excessiva perduração de “tensão adaptativa”, como uma situação de treinamento prolongada num limiar de máxima intensidade, por exemplo, poderá gerar níveis perturbadores nocivos de estresse aos controles de síntese protéica, regulação hormonal e suprimento energético. A síndrome de overtraining, na sua mais completa amplitude, pode ser o evento resultante desta condição (Lehmann et al., 1998, Tiidus, 1998).
Exercício excêntrico e fadiga muscular
Há evidências de que o exercício dotado com mais contrações excêntricas resulte em um tipo específico de fadiga muscular. Numerosas definições de fadiga muscular são apresentadas, onde os atributos relevantes relacionam-se diretamente a falha para a manutenção de força e decréscimo de capacidade de trabalho (Santos et al., 2003; Fitts, 1994; Kirkendall, 1990; Hainaut, Duchateau, 1989). Parece não existir uma única causa que induza o decréscimo de produção de força durante a sustentação de contrações voluntárias (Silva et al., 2007). Os processos atuantes podem estar relacionados com fatores de desordem tanto de comandos do sistema nervoso central (fadiga central) quanto de falhas dos mecanismos periféricos (fadiga periférica) (Green, 1997; Lindinger et al., 1995; Allen et al., 1995; Fitts, 1994; Gaitanos et al., 1993; Balestra et al., 1992).
A fadiga central refere-se a um declínio progressivo na capacidade de ativação dos músculos voluntariamente, podendo estar relacionada com alteração da excitabilidade do córtex motor (Gandevia et al., 1996, Taylor et al., 1996). Os distúrbios nos centros motores altos e em reflexos de feedback podem também alterar a excitabilidade do motoneurônio alfa, afetando, por fim, a região da junção neuromuscular (Green, 1995). As mudanças nas estratégias neurais relacionadas à fadiga podem incluir alterações no comando motor, modificando de forma quantitativa e qualitativa o padrão do movimento (Silva et al., 2007). Quando um sujeito é requisitado a sustentar uma força máxima por um dado tempo, ele não tem a condição de aumentar a magnitude do comando motor quando a força começar a declinar. Por outro lado, quando a tarefa envolve contrações submáximas, o indivíduo é capaz de aumentar o comando motor para solucionar a redução em força devido a mecanismos periféricos - propagação neuromuscular, aparelho contrátil (Enoka, Stuart, 1992).
Sobre os mecanismos centrais de fadiga, sugere-se a hipótese de que a instalação do quadro de deterioração da performance esteja ligado a um aumento de serotonina no cérebro, o que resulta em fadiga central/mental (Davis, 1995). A elevação da síntese de serotonina (5-HT ou 5-hidroxitriptamina) como mediador de fadiga ocorre em resposta a um aumento de triptofano, um aminoácido precursor de 5-HT, visto em concentração elevada em exercício prolongado e que se dirige para o cérebro por via sanguínea. Um outro mecanismo por feedback parece atuar também, interligando déficit metabólico ao funcionamento do sistema nervoso central: mudanças metabólicas no músculo (aumento em lactato/redução no pH) poderiam levar a uma redução no comando central por afetar o recrutamento das unidades motoras; porém, tal relação não é totalmente consolidada (Green, 1995).
Os eventos que podem contribuir para o desenvolvimento de fadiga muscular localizada são variados, dependendo muito da natureza da atividade realizada: intensidade, duração e frequência do exercício, forma da contração solicitada, tipo predominante de fibra muscular recrutada, condições ambientais e capacidade do indivíduo (grau de treinamento) (Ascensão et al., 2003). Dentro de uma perspectiva de fadiga periférica para a ocorrência do decréscimo da capacidade do sistema músculo-esquelético em gerar uma dada força, não considerando os eventos do sistema nervoso central e também transmissões de estímulos via neurônios motores e nervos periféricos, Roberts e Smith (1989) abordam mudanças mecânicas e metabólicas, envolvendo suprimento energético (ATP/creatina fosfato, glicogênio, oxigênio, ácidos graxos livres), acúmulo de metabólitos (lactato, íons hidrogênio, cálcio, amônia, eletrólitos e alteração em concentração de água) e exercício indutor de lesão celular ultraestrutural (exercício excêntrico). A combinação destes fatores ou a ocorrência isolada deles leva a mudanças na transmissão de potenciais de ação do sarcolema ao longo dos túbulos transversos, o que impossibilita o retículo sarcoplasmático a desempenhar suas funções normalizadas (Rossi, Tirapegui, 1999).
Há evidências de que o exercício excêntrico resulte em um tipo de “fadiga de baixa freqüência”, podendo significar uma alteração do complexo excitação-contração, o qual liga o potencial de ação na superfície da membrana com a ativação da actomiosina pelo cálcio (Jones et al., 1989). A fadiga de baixa frequência representa uma falha específica em geração de força em situação de baixa frequência de estimulação, possivelmente estando envolvidas neste processo as alterações de ultraestruturas celulares ocasionadas pela ruptura de sarcômeros por intermédio do exercício excêntrico (Warren et al., 1993b; Gibson, Edwards, 1985). Desta forma, descarta-se, hipoteticamente, uma eventual supremacia de fadiga por déficit energético, pois contrações excêntricas têm um custo metabólico muito menor quando comparadas com contrações concêntricas (Roberts, Smith, 1989; Bigland-Ritchie, Woods, 1976; Davies, Barnes, 1972a; Davies, Barnes, 1972b). Contudo, como apresentado, existem evidências de que o exercício excêntrico pode provocar ressíntese tardia de glicogênio, em aproximadamente dez dias após o exercício, talvez como um resultado de distúrbio do sarcolema, o que impede o transporte de glicose para o interior da célula (Doyle et al., 1993; O’Reilly et al., 1987). Pode, assim, haver um decréscimo transitório no conteúdo do transportador predominante de glicose nas fibras músculo-esqueléticas (GLUT-4) após exercício excêntrico, este que se transloca do meio intracelular para o sarcolema e túbulos-T por estimulação de insulina (Asp et al., 1995). Considera-se, também, que o aumento de células inflamatórias, em decorrência do processo microlesivo celular, estimule a liberação de fatores metabólicos que oxidam glicose e produzam lactato na redondeza das células musculares (Reynolds et al., 1997; Dela, 1996; Sherman et al., 1993; Costill et al., 1990).
Williams (1997) coloca que muitas mudanças no rendimento mecânico do músculo-esquelético durante o estado de fadiga envolvem alterações nos aspectos funcionais do aparelho contrátil e do retículo sarcoplasmático. Algumas mudanças ocorrem de forma secundária às condições intracelulares metabólicas e iônicas da fibra muscular. Porém, as investigações mostram que a fadiga induz alterações intrínsecas na capacidade do retículo sarcoplasmático para liberar e seqüestrar cálcio e na capacidade da fibra muscular em gerar força. No caso da fadiga de baixa frequência, não há uma clara evidência de qual estágio do complexo excitação-contração é afetado, mas diversos fatores são sugeridos no distúrbio, tais como falha na liberação de cálcio, redução de sensibilidade ao cálcio pelas proteínas contráteis, falha na condução do potencial de ação nos túbulos transversos e redução da capacidade de bombeamento de cálcio pelo retículo sarcoplasmático (Bertuzzi et al., 2009).
Dentro deste contexto, Chin e colaboradores (1997) indicaram que alterações no retículo sarcoplasmático, associadas com fadiga de baixa frequência de estimulação, induzem elevação em [Ca2+]i devido ao desacoplamento dos receptores dihidropiridina das membranas do sistema tubular T e os receptores rianodina do retículo sarcoplasmático. O aumento em [Ca2+]i pode ativar um número de segundos mensageiros na célula muscular: este processo inclui a ativação de proteínas quinases (cinases), proteases, fosfatases e fosfolipases ativadas por cálcio, resultando em distúrbios funcionais de proteínas envolvidas no complexo excitação-contração. Da mesma forma, Westerblad e colaboradores (1993) consideram que a causa de fadiga de baixa frequência pode estar relacionada à redução de concentração intracelular de cálcio tetânica, provavelmente conseqüência de uma depressão em liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático.
Reparação tecidual versus produção de radicais livres: expressão de fatores de crescimento induzida por microlesões celulares
A estrutura do retículo sarcoplasmático e sua função podem ser alteradas em virtude da execução de exercícios excêntricos, com a possibilidade de um eventual distúrbio nos mecanismos de liberação e recapturação de cálcio (Warren et al., 1993a). Tal desestruturação celular seria uma conseqüência da instabilidade mecânica gerada pela contração excêntrica (Clarkson, 1992), ocasionando alteração no padrão de transmissão de força através das estruturas do sistema músculo-esquelético (Patel, Lieber, 1997) e rompimento de ligações eletrostáticas entre filamentos de actina e miosina (Bennett, Stauber, 1986). O movimento excedente característico da contração excêntrica gera, portanto, uma força adicional nos tecido conjuntivos e demais estruturas estabilizadoras do sarcômero, com um concomitante estresse mecânico, para a separação do complexo actomiosina (Stauber, 1989). As alterações celulares podem, de modo subseqüente ao estresse mecânico, induzir alterações em níveis de substratos, elevação da temperatura celular, produção de radicais superóxido, depressão em pH e elevação em concentração de cálcio citoplasmático (Santos et al., 2003; Byrd et al., 1989a).
O cálcio acumulado no interior da célula pode alterar processos de síntese e degradação, haja visto sua capacidade de ativar proteases específicas sensíveis à sua concentração elevada (Byrd et al., 1989b). A concentração elevada de cálcio favorece a ativação da Fosfolipase A2, que possui um sítio de ligação de cálcio. A ação da Fosfolipase A2 pode ter vários efeitos degenerativos para as estruturas de membrana, incluindo a produção de detergentes de ácidos graxos e lisofosfolipídios (Armstrong, 1990). A liberação de ácidos graxos insaturados, em particular de ácido araquidônico, produz prostaglandinas, leucotrienes e outros intermediários inflamatórios. Os intermediários formados desta reação são hidroperóxidos (H2O2), os quais iniciam a formação de espécies reativas de oxigênio (EROs) (Flohé et al., 1985).
Os produtos da oxidação de ácido araquidônico constituem a mais diversa família de mediadores inflamatórios, gerados por muitas vias diferentes em quase todos os tipos de células, e são potentes moduladores de numerosas funções biológicas (Koo et al., 1988). Além do mais, Haines e colaboradores (1988) apontam o papel dos neutrófilos em algumas atividades biológicas, tais como na liberação de radicais livres e produção de substâncias inflamatórias derivadas de lipídios. Neutrófilos ativos podem iniciar um “colapso” respiratório, levando à produção de radical ânion superóxido (O2·-), este que é importante como substrato primário para a produção de EROs; a interação entre O2·- e H2O2 pode resultar na formação de radical hidroxila (OH·), espécie com alto poder de desestruturação de membranas biológicas (Suzuki et al., 1996).
A relação existente entre exercício excêntrico, resposta inflamatória e formação de radicais livres pode ser vista por meio do estudo da enzima xantina oxidase. A forma desidrogenase da xantina oxidase - xantina desidrogenase - localiza-se em células vasculares de muitos tipos de tecidos, incluindo o tecido músculo-esquelético. Esta enzima participa na via de degradação das purinas, oxidando hipoxantina a xantina e xantina a ácido úrico, utilizando-se a coenzima NAD+ como aceptor de elétrons. Em certas condições, tal como de estresse metabólico do tecido músculo-esquelético (razão ATP/ADP baixa), xantina desidrogenase converte-se à sua forma oxidase - xantina oxidase -, a qual utiliza oxigênio molecular como aceptor de elétrons, podendo vir a gerar EROs e causar lesões na célula muscular (Hellsten et al., 1996).
Hellsten e colaboradores (1997) testaram a hipótese de que o nível da enzima xantina oxidase eleva-se no tecido muscular humano lesado em associação com eventos inflamatórios. Os resultados obtidos em indivíduos submetidos a sessões de exercícios excêntricos demostraram que ocorre uma considerável elevação tardia na expressão da enzima xantina oxidase, principalmente nas células endoteliais de microvasos e em leucócitos presentes no músculo. A lesão foi sucedida por uma elevação de interleucina-6 (IL-6) no plasma, indicando o início da resposta inflamatória após a execução do regime de exercício excêntrico. No período compreendido entre 24 - 96 horas após o exercício houve um aumento em distúrbios musculares, caracterizado também pelos aumentos dos níveis de creatina quinase e IL-6 no plasma, dor muscular e invasão de leucócitos, refletindo uma associação com respostas inflamatórias. Concluindo, os autores colocaram que a enzima xantina oxidase não está envolvida no processo inicial de lesão muscular induzida pelo exercício (a característica tensional da atividade parece ser o fator primário), mas que ela pode contribuir com a geração de EROs durante eventos inflamatórios secundários.
A contribuição da enzima xantina oxidase para a formação de radicais livres é mostrada pela reação de oxidação de hipoxantina e xantina e seus respectivos produtos, xantina e ácido úrico:
hipoxantina + H2O + 2O2 -> xantina + 2O2·- + 2H+
xantina + H2O + 2O2 -> ácido úrico + 2O2·- + 2H+
A formação de O2·- e H2O2 é ditada pelas condições do pH, da concentração de O2 e da concentração de xantina. O que se pressupõe é que a produção de O2·- e H2O2 pode conduzir à reação de Haber-Weiss, tendo-se OH· como produto final ou outra espécie radicalar com similar reatividade (Weiss, 1986):
O2·- + H2O2 -> OH· + OH- + O2
As reações acima mostram que, durante o período isquêmico do exercício físico de força muscular, por exemplo, o ATP é catabolizado a hipoxantina, esta que se acumulará nos tecidos. Como um resultado do estado de baixa energia, há um influxo de cálcio na célula. O cálcio intracelular, então, ativa proteases sensíveis à sua concentração elevada, permitindo a conversão de xantina desidrogenase a xantina oxidase, como um resultado da proteólise. Quando há a reperfusão, oxigênio molecular é reintroduzido no tecido muscular, reagindo com hipoxantina e xantina oxidase e produzindo excessivamente o radical ânion superóxido, peróxido de hidrogênio e radical hidroxila. A condição altamente reativa, principalmente do radical hidroxila ativo, pode causar danos às estruturas celulares através de peroxidação lipídica de membranas, bem como degradação de ácido hialurônico (Scandalios, 2005; Granger et al., 1986). Esse modelo de ativação da enzima xantina oxidase pode ser pertinente nas condições de exercícios exaustivos de musculação.
Yokoyama e colaboradores (1990) relatam que grandes quantidades de xantina desidrogenase e xantina oxidase são liberadas na circulação após a ocorrência de isquemia hepática, e que os metabólitos reativos de oxigênio resultantes podem induzir a difusão de lesões teciduais. No caso do tecido muscular, condições prolongadas de requerimento metabólico produzem um estado de isquemia favorável para o surgimento de alterações degenerativas na célula: a relativa isquemia durante uma sessão longa de musculação e o componente excêntrico de contração desempenham papéis importantes em mudanças ultraestruturais e subseqüente elevação de pressão intramuscular associada com dor muscular (Crenshaw et al., 1993).
Contudo, como já abordado na apresentação do trabalho de Hellsten e colaboradores (1997), a elevação do nível de xantina oxidase no local de distúrbio celular é acompanhada por uma resposta inflamatória. O interesse pelo estado inflamatório encontra-se em compreender o elo existente entre degeneração/reparação de estruturas biológicas. Nesta perspectiva, Hellsten e equipe (1996) propõem que o aumento de concentração de xantina oxidase no músculo pode ser induzido por eventos inflamatórios, mediados juntamente com a elevação do fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-I). Sendo o IGF-I um fator de diferenciação de células satélites e de proliferação de mioblastos, tais mecanismos estressores metabólicos influenciariam para a formação de miofibrilas (Vandenburgh et al., 1991a). Como conclusão, referencia-se Kraemer (1994), o qual aborda que, no caso do treinamento de força, tais mecanismos poderiam ser influenciados pelo estresse do exercício, por respostas hormonais agudas e pela necessidade de remodelação tecidual no nível celular; desta forma, a interação entre múltiplos hormônios e receptores providenciariam um poderoso mecanismos de adaptação em resposta ao treinamento, vindo a contribuir para mudanças subsequentes em tamanho e força muscular.
Veja autor e bibliografia aqui
Espero que você tenha gostado desse texto. Se quiser receber mais textos como esse, entre no grupo de Whatsapp para receber textos e informações do nosso material.
Você pode ter um material mais aprofundado sobre esse tema. A Quero Conteúdo disponibiliza dezenas de materiais sobre Educação Física para estudantes e profissionais. Entre em contato com nossa consultora clicando na imagem abaixo!