O triathlon, modalidade desportiva que combina natação, ciclismo e corrida, tem despertado o interesse de muitos pesquisadores desde a sua primeira disputa oficial, em 1978, no Havaí, quando 15 participantes largaram e apenas 12 chegaram ao final1. O esporte, que teve sua origem em um desafio, é muito difundido atualmente, já figurando no quadro de modalidades desportivas olímpicas (desde o ano de 2000, na Olimpíada de Sidney, Austrália).
Atualmente, o triathlon é disputado em diferentes distâncias, nas quais a menor é completada em, aproximadamente, 55 minutos (conhecida como Short Triathlon) e a maior (Ironman) tem o recorde próximo a 08 horas, com limite de 17 horas para seu término. Na prova chamada olímpica, o atleta nada 1,5 km, pedala 40 km e corre 10 km, sendo completada por volta de 2 horas pelos primeiros atletas2. Para cada uma das distâncias, sendo "curtas" ou "longas", como classificado por Bentley et al.3, parecem existir diferentes contribuições dos fatores que determinam o desempenho do triatleta, sendo eles fisiológicos, de treinamento ou competição4.
Dos fatores fisiológicos, destacam-se elevado valor de consumo máximo de oxigênio5,6 e de limiar anaeróbio7 , merecendo destaque, também, a eficiência metabólica, denominada economia de movimento2,8. Para os fatores ligados ao treinamento, apresentam-se como importantes o volume de treinamento1, a intensidade4 e os equipamentos utilizados9. E, por fim, os fatores que também influenciam no desempenho do triatleta são os associados à competição, como a tática empregada durante a prova7,10.
Além disso, a relação entre o desempenho isolado de cada modalidade (natação, ciclismo e corrida) com o desempenho final do triathlon ainda é pouco estudada. Estudos nessa linha podem contribuir para redução do tempo final dos atletas nas competições10-12. De Vito et al.8, por exemplo, encontraram correlações de diferentes magnitudes entre a natação, o ciclismo e a corrida com o tempo total na prova de distância olímpica (r = 0,60; r = 0,94 e r = 0,82 respectivamente). Os maiores valores foram encontrados para o ciclismo e corrida, atribuídos pelos autores pela elevada contribuição percentual das duas modalidades no tempo total (50% e 30% respectivamente), comparados à natação (apenas 20%).
Várias pesquisas têm estudado a influência do desempenho no ciclismo e corrida durante o triathlon, sobre o desempenho total13-15, porém não foram encontrados estudos que enfoquem o desempenho da natação e como ela pode influenciar a prova de triathlon. Este trabalho buscou informações relevantes sobre natação no triathlon e sua influência no desempenho de triatletas, apresentando-as de uma forma que possam ser proveitosas tanto para atletas e técnicos quanto para pesquisadores e estudiosos do triathlon.
Para isto, realizou-se uma revisão de literatura, destacando-se as seguintes palavras-chave: triathlon, triatleta, desempenho e natação, e suas traduções para o inglês, quando necessário, tendo como fonte de busca a base de dados Pubmed, o Portal de Periódicos da CAPES e o Google Acadêmico, sendo selecionados os artigos que estavam relacionados com o objetivo do estudo.
A NATAÇÃO NO TRIATHLON: ASPECTOS DO DESEMPENHO E FISIOLÓGICOS
A natação no triathlon demonstra diferentes características em seu desenvolvimento, já que existe diferença em sua duração, com seu tempo médio para atletas de elite variando de nove a 55 minutos (tempo dependente da distância da prova). Neste sentido, a duração da etapa modifica a contribuição percentual no tempo total (9,4 a 17,0%). A tabela 1 apresenta as diferentes competições com suas distâncias, o melhor tempo de triatletas (masculino e feminino) em provas realizadas no Brasil, em 2008, e a contribuição percentual para a composição do tempo total de cada triathlon analisado.
Os índices fisiológicos que determinam a melhoria do desempenho com estas durações estão relacionados principalmente ao consumo máximo de oxigênio (VO2max), para duração inferior a 10min e ao limiar anaeróbio, quando a duração se encontra entre 10-60 min16. Mesmo assim, poucos são os estudos que descrevem tais índices fisiológicos relativos à natação de triatletas, provavelmente, pela dificuldade em sua determinação.
Os testes para avaliação dos índices fisiológicos que determinam a melhoria na natação devem ser realizados com o máximo de especificidade18-21, pois comparando estudos que avaliaram o VO2max em triatletas ,utilizando ergômetro de braço como Denadai et al.21 , os valores obtidos podem não ter avaliado o estado de treinamento dos triatletas, pois o ergômetro pode recrutar grupos musculares do tronco e braço que não são utilizados na natação, ficando muito abaixo quando comparado com o valor obtido por Neal et al.19 e Kohrt et al.22 em avaliações específicas. O valor do VO2max dos estudos citados estão relacionados na tabela 2.
O limiar anaeróbio é comumente determinado pela mensuração do lactato sanguíneo, método invasivo que necessita coleta de sangue, ou pela medida dos parâmetros ventilatórios (limiar ventilatório) durante esforço progressivo26.
Alguns trabalhos têm encontrado correlação entre o limiar anaeróbio e o desempenho aeróbio24 e com o desempenho final do triathlon16 e nas modalidades que o compõem25.
Denadai e Balikian7 demonstraram correlação deste índice obtido na natação, com a velocidade média durante um Short Triathlon (r = 0,98), corroborando os resultados obtidos por Balikian e Denadai27 que encontraram correlação de r = 0,92 durante a natação no Meio Ironman. Assim, o limiar anaeróbio da natação parece ser um excelente preditor do desempenho desta modalidade nas provas de triathlon.
Outro aspecto fisiológico importante durante provas de triathlon é a intensidade em que os atletas executam as modalidades, pois parece que o efeito residual do exercício anterior provoca um aumento da demanda fisiológica no exercício subsequente, havendo, assim, um decréscimo no desempenho26.
Neste sentido, parece importante determinar a intensidade de esforço em que os atletas executam a natação no triathlon, já que esta pode influenciar diretamente no desempenho total da prova. O lactato tem sido demonstrado como um importante marcador da intensidade de esforço durante atividades contínuas e aeróbias28. Alguns estudos têm apresentado a concentração de lactato ([Lac]) durante provas de triathlon, demonstrando que a natação é a modalidade executada em maior intensidade, comparada ao ciclismo e à corrida 7,28,29. A tabela 3 apresenta alguns estudos que determinaram a [Lac] da natação durante triathlons.
Denadai e Balikian7 utilizaram um valor fixo de 4 mmol.L-1 de lactato para a determinação do limar anaeróbio de triatletas. Nota-se, na tabela 3, que a etapa da natação é realizada em uma intensidade acima deste valor, o que pode ser prejudicial ao ciclismo ou mesmo ao desempenho da prova como um todo. Uma limitação dos estudos que apresentam a [Lac] durante o triathlon é não apresentar a variação da intensidade durante a prova, fato este destacado em outros trabalhos11,30, mas que também não conseguiram relacionar esta variação com a [Lac] pós prova.
Os indicadores fisiológicos de intensidade determinados em laboratório e/ou campo, e comparados com situações de competições, podem ajudar a entender melhor o desempenho, as adaptações do processo de treinamento, assim como a escolha de estratégias de ritmo durante uma prova.
A NATAÇÃO E SUA INFLUÊNCIA NO DESEMPENHO TOTAL DA PROVA
Alguns estudos que caracterizaram fisiologicamente os triatletas não levaram em consideração a natação, sugerindo que seu desempenho não influenciaria o tempo total da prova de forma positiva6. De Vito et al.8 encontraram que o ciclismo e corrida seriam mais determinantes para o desempenho do triathlon, pela alta contribuição percentual das duas modalidades, no tempo total da competição analisada (50% e 30% respectivamente), quando comparados à natação (20%).
Schabort et al.2 corroboram essa crença, pois apresentam uma equação para predizer o desempenho de triatletas em distância olímpica e não incluem o desempenho da natação, já que em seu estudo o resultado no teste de 400m dos atletas (homens e mulheres) não se correlacionou com os 1500m da prova, excluindo-o da regressão apresentada. Já Binnie et al.31 verificaram o efeito de diferentes aquecimentos no desempenho da natação no short triathlon, demonstrando não existir diferenças no tempo total e na natação quando se aquece nadando, correndo ou sem a existência de aquecimento, mostrando que o desempenho no ciclismo e corrida não foram prejudicados. Tais autores não avaliaram diretamente a relação da natação com o desempenho final do short triathlon, algo que Schabort et al.2 fizeram na distância olímpica e encontraram correlação da natação das mulheres com o tempo final da competição, sugerindo inicialmente existir uma boa relação com o desempenho do triathlon e que isso possa ser dependente do gênero.
Para responder a primeira hipótese, Vleck et al.11 analisaram o desempenho de 24 triatletas homens participantes da Copa do Mundo de Triathlon na distância olímpica. Monitoraram as três etapas da prova, dos atletas da categoria elite por meio de um sistema de vídeo e GPS. Para a natação, a velocidade medida nas distâncias de 222m; 496m; 915m e 1189m foram correlacionadas com a colocação final da natação (r = -0,83; r = -0,82; r = -0,67 e r = -0,79, com p < 0,01 respectivamente) e, a colocação final no triathlon foi correlacionada com a velocidade média de nado (r = -0,52; p < 0,01) e com a colocação do atleta após esta etapa (r = 0,44, p < 0,05), demonstrando que a natação pode ter grande importância para o desempenho final dos triatletas de elite em provas com distância olímpica.
Corroborando com estes achados e confirmando a segunda hipótese, Vleck et al. 30 analisaram atletas homens e mulheres durante um etapa do Mundial de 2002 e também demonstraram existir relação da natação com o desempenho final na prova de triathlon, tanto para homens, quanto para as mulheres (Tabela 4). Além disso, verificaram que a estratégia de nado foi diferente entre os gêneros e que isto influenciou diferentemente o desempenho final no triathlon, pois para as mulheres a influência da natação na competição analisada foi maior.
Leite et al.32 analisando diferentes etapas do Troféu Brasil de Triathlon que tem distância olímpica para os principais atletas, também mostraram que a natação pode influenciar diferentemente o desempenho total da prova e que isso pode ser dependente da altimetria do percurso de ciclismo e corrida, pois afeta o desempenho dos atletas nestas modalidades além, do período do ano que pode influência direta no planejamento do treinamento do atleta. A Tabela 4 apresenta estudos correlacionais entre o desempenho final de triatletas e cada uma das modalidades que compõem o esporte, em diferentes níveis de competição e distâncias.
É importante destacar os diferentes n amostrais utilizados pelos estudos citados acima, fato este que pode interferir no poder estatístico do teste de correlação e consequentemente, na possível relação entre o desempenho final do triathlon e o desempenho de cada modalidade. De qualquer forma, estes dados provenientes dos poucos estudos correlacionais publicados, sugerem uma tendência de existir maior correlação do desempenho da natação com o tempo total das provas de triathlon mais curtas.
Sugere-se a realização de novos estudos, envolvendo triathlon de diferentes distâncias, especialmente, para atletas femininas.
A INFLUÊNCIA DA NATAÇÃO NO DESEMPENHO DO CICLISMO
Algumas pesquisas sobre triathlon vêm enfatizando que as exigências metabólicas induzidas durante uma das etapas da competição pode prejudicar o desempenho nas demais modalidades da prova3,13. A maioria delas tem dado atenção aos efeitos do ciclismo no subsequente desempenho da corrida e poucos estudos têm demonstrado os efeitos da natação em relação ao desempenho no ciclismo e no triathlon 26,33,34. A princípio, a duração e a intensidade na qual a etapa de natação é realizada parecem influenciar o ciclismo.
Delextrat et al.35 encontraram alterações significativas em alguns parâmetros fisiológicos, analisando o efeito de 1500m de natação no ciclismo. O estudo consistiu em comparar as respostas fisiológicas ao desempenho de 30 minutos de ciclismo a 75% da potencia aeróbia máxima, após a natação, em comparação ao ciclismo isolado em triatletas treinados de nível nacional da França. Tais autores encontraram aumento no VO2 (5,0%), no volume expiratório (15,7%), na frequência cardíaca (9,3%) e respiratória (19,9%), além de uma perda de 13% na eficiência (gasto energético) no ciclismo, comparado com o ciclismo isolado, após a realização da natação na distância olímpica e com [Lac] de 6,9 ± 2,6 mmol.L-1.
Já Laursen et al.34 estudaram os possíveis efeitos provocados por 3000m de natação, precedendo 3h de ciclismo a 60% do VO2max e encontraram que a velocidade de nado, na qual foi realizada essa distância, não interferiu de maneira significativa nas respostas de consumo de oxigênio (VO2), frequência cardíaca (FC) ou volume expiratório (VE) em triatletas treinados durante o ciclismo. Em contraste, Kreider et al.26 relataram queda (p < 0,05) de 17% de potência no ciclismo durante simulação de 40km em 75min, aumento (p < 0,05) nas respostas de VO2, VE, volume de ejeção, débito cardíaco e na pressão arterial média no ciclismo, após a realização de 800m de natação, em comparação com a mesma distância sem exercício prévio.
Peeling et al.36 realizaram um estudo comparando a velocidade da natação, na qual os triatletas nadavam a 80-85%, 90-95% e 100% de sua velocidade máxima, associando ao desempenho de ciclismo subsequente. O estudo foi realizado na distância short (750m de natação, 20km de ciclismo e 5km de corrida) e o ciclismo mais rápido foi o realizado após a natação em velocidade 80-85% da máxima, sugerindo a existência de um possível limiar de intensidade de realização da natação, acima do qual, o desempenho de ciclismo pode ser prejudicado. Os autores atribuem a perda de desempenho no ciclismo após nadar em alta intensidade (100%) aos possíveis aumentos da [La] e ao acúmulo de H+. Alguns estudos comprovaram que os níveis de lactato sanguíneo são mais elevados ao final da etapa de natação que nas demais etapas do triathlon37,38.
O´Toole e Douglas17 enfatizam que os exercícios de endurance como o Triathlon Olímpico são limitados parcialmente pela depleção do glicogênio muscular e desequilíbrio ácido base. Alguns dos fatores que podem influenciar as concentrações sanguíneas de lactato são: i) a composição dos diferentes tipos de fibras musculares, ii) a densidade capilar, iii) a mobilização preferencial de gorduras como substrato energético, relativamente aos carboidratos, para a mesma intensidade relativa de exercício, assim como iv) o transporte facilitado do lactato através das membranas celulares, quer para a circulação quer para a mitocôndria (através da ação dos transportadores protéicos de monocarboxilato - MCT)39. De acordo com Delextrat et al.35 , a influência que a natação pode ter no ciclismo é dependente da distância em que esta é realizada (provas de curta versus longa duração), pois quanto mais rápida for a velocidade empregada durante a etapa de natação, maiores serão os efeitos no ciclismo, induzindo, assim, alterações metabólicas importantes. Assim, parece que o rendimento no ciclismo possa ser dependente da intensidade e duração na qual a etapa de natação é realizada34,36.
Mesmo assim, com a oficialização do "vácuo" na etapa do ciclismo, nas provas de distância Short e Olímpica, na década de 90 do século passado, a influência da natação no ciclismo e no desempenho final do triatlo pode ter sofrido mudanças, pois os atletas poderiam usar o vácuo para amenizar os efeitos deletérios da natação e melhorar o rendimento na corrida40. Porém, ainda são necessários estudos adicionais para determinar se as interferências nas respostas fisiológicas durante o ciclismo após o desempenho da natação poderiam influenciar o desempenho da corrida subsequente e o tempo total de prova.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a análise dos estudos apresentados, destaca-se que a natação mostra-se como a modalidade mais intensa durante um triathlon, provavelmente, por ser a primeira e ter sua duração inferior ao ciclismo e corrida. Nas provas mais curtas do triathlon, nas quais a natação tem duração entre 10 e 30 min, a intensidade desta etapa parece ser superior ao limiar anaeróbio. Alguns estudos encontraram uma relação negativa entre a concentração de lactato sanguíneo ao final desta etapa, com o desempenho das modalidades subsequentes. Já o tempo final desta primeira etapa do triathlon, parece correlacionar-se positivamente com o tempo final das provas curtas. Nas provas mais longas, esta relação parece não existir, ou seja, o desempenho na natação tem menor influência no resultado final do triathlon. Assim, nas provas de triathlon Short e Olímpico, a estratégia de intensidade adotada na etapa da natação pode influenciar diretamente no resultado final.
Com isso, o planejamento e a distribuição de cargas de treinamento entre as três modalidades do triathlon devem levar em consideração à distância e o formato das principais provas disputadas, já que, nas provas "curtas" (por ex. Olímpico), um bom desempenho de natação parece ser fundamental para o rendimento final e, nas provas mais longas (por ex. Ironman) esta modalidade não parece ser determinante do desempenho final.
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Adriana Garcia PachecoI; Gerson dos Santos LeiteII,III; Ricardo Dantas De LucasI; Luiz Guilherme GuglielmoI
IUniversidade Federal de Santa Catarina. Laboratório de Esforço Físico, Programa de Pós-Graduação em Educação Física. Florianópolis. SC, Brasil
IIUniversidade Nove de Julho. Programa de Pós Graduação em Ciências da Reabilitação. São Paulo. SP. Brasil
IIIUniversidade São Judas Tadeu. Programa de Pós Graduação em Educação Física. São Paulo. SP. Brasil
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