Introdução
Futebolistas profissionais percorrem de 9 a 14 km, sendo que a distância média percorrida em uma partida nacional ou internacional é de cerca 10 km. O consumo de oxigênio estimado pela freqüência cardíaca destes atletas fica em torno de 70% a 80% do VO2 máx. Os jogadores de futebol caracterizam-se por apresentam um VO2 máx. entre 56,5 e 69,2 ml.kg-1.min-1 . e, um alto limiar anaeróbio, o qual fica em torno de 80% do VO2 máx. (FLECK, KRAMER; 1999).
Do total da distância percorrida apresentada acima, cerca de 25%, consiste em caminhadas; 38% de trote, 20% de corridas cruzadas, 7% em deslocamentos de costas e 10% em corridas em velocidade máxima individual. Em relação ao tempo de jogo, cerca de 57% dos 90 minutos, os jogadores ficam parados e/ou caminham, e, 12% do tempo executam atividades de altas intensidades perfazendo uma razão entre alta e baixa intensidade de 1:7 (FLECK; KRAMER, 1999).
Como apresentado, o futebol caracteriza-se por esforços intermitentes que alternam atividades de altas e baixas intensidades. Durantes as partidas são realizadas cerca de 1.000 a 1.200 alterações discretas de movimento durante o jogo, tais atividades elevam o gasto energético total da atividade. Por exemplo, corridas laterais e de costas elevam o gasto energético em 20 a 40% se comparadas às corridas normais (FLECK; KRAMER, 1999).
Os dados acima ilustram a grande exigência fisiológica imposta aos jogadores durante os treinamentos e principalmente durantes os jogos. Tais solicitações são potencializadas quando os jogadores são expostos a atividades físicas em condições ambientais extremas, como por exemplo, nas partidas realizadas em locais com temperatura e umidade relativa do ar elevadas.
Em ambientes com uma combinação de calor excessivo e umidade, a capacidade de trabalho fica comprometida, sendo que o exercício pode ser mantido por menos tempo em decorrência do aparecimento precoce da fadiga. Mas, a preocupação mais séria é com o risco a saúde e o bem estar. Pois, caso a elevação da temperatura corporal promovida pelo estresse físico do exercício e do ambiente não seja controlada pelos mecanismos de dissipação do calor, o indivíduo pode desenvolver um quadro de hipertermia, o que pode ser fatal (MAUGHAN; SHIRREFES; LEIPER, 2003).
O aumento da temperatura corporal que acompanha o exercício no calor pode ser atenuado pela sudorese, porém grandes perdas de suor podem resultar em hipo-hidratação e na perda de eletrólitos. Ambas condições podem levar o indivíduo a desidratação, sendo que na perda de 1 à 2% da água corporal compromete alguns aspectos da função fisiológica e uma séria incapacidade pode ocorrer se o déficit alcançar cerca de 10% da água corporal (MAUGHAN; SHIRREFES; LEIPER, 2003).
Apesar da grande importância do controle da desidratação, segundo Kirkendall (2003), são poucas as evidências presentes na literatura relacionada ao futebol que tratam da desidratação dos jogadores. O referido autor justifica sua afirmação alegando que o número reduzido de publicações sobre tema é devido ao fato de muitas publicações sobre a modalidade serem oriundas de países localizados no norte do continente europeu, onde os efeitos maléficos do calor excessivo não são os principais problemas enfrentados pelos treinadores e cientistas da região. Mas, o próprio Kirkendall apoiando-se nas considerações elaboradas por Mustafá e Mouhmound (1979), alerta que a desidratação entre 1 a 2,5 kg é comum em climas temperados e perdas de peso entre 4 a 5 kg pode ser encontrada em situações extremas, como em jogos realizados no continente africano.
Ainda, em relação ao estado de desidratação de jogadores de futebol, Vargas (2004) afirma que independente das condições climáticas, a reposição de líquido está sempre em 50% de déficit da quantidade perdida de líquido, sendo que este problema ocorre tanto nos treinos como nos jogos. O referido autor indica que esta "desidratação voluntária" ocorre provavelmente por causa dos maus hábitos entre os jogadores e treinadores, assim como por causa das atitudes negativas da desidratação, semelhantes às que haviam entre os corredores de maratona durante o princípio e meados do século XX. Vargas (2004) complementa dizendo que em termos de hidratação o futebol está na mesma época "pré-histórica" que estavam a maratona na década de 1950. E, que as regras do jogo, não são os principais determinantes da ingestão insuficiente de líquidos durante as partidas. Pois, pela quantidade de interrupções que se apresentam durante os jogos e treinamento era de se esperar maior ingestão de líquidos e, conseqüentemente, melhor equilíbrio hídrico durantes as competições e treinamento.
De acordo com o explicitado acima, objetiva-se neste trabalho apresentar as estratégias para a reposição hídrica, presentes na literatura, que podem ser utilizadas no cotidiano dos treinamentos e jogos para minimizar os efeitos da desidratação de jogadores de futebol.
Estratégias para a reposição hídrica
De acordo com Vargas (2004), a hidratação para o futebol deve seguir exatamente as mesmas regras que a prática de qualquer outra atividade física, ou seja, repor o líquido perdido pela sudorese para evitar a desidratação e oferecer carboidratos e eletrólitos que podem ser necessários.
Para a reposição hídrica otimizada é necessário o conhecimento das demandas fisiológicas impostas pelo esporte, o estado de aclimatação do esportista, a condição física e as taxas normais de sudorese. Além disto, no futebol é preciso considerar as condições particulares de cada jogo e/ou treino, assim como conhecer as necessidades específicas de cada atleta (VARGAS, 2004).
Outro fator extremamente importante para a adequação da ingesta de líquidos pelos jogadores é a construção do hábito durante as sessões de treinamento. Pois, um jogador acostumado a não beber nada durantes os treinamentos, provavelmente não irá beber nada durante os jogos (VARGAS, 2004).
No entanto, a fim de se reduzir os efeitos nefastos da desidratação, Marquezi e Lancha Júnior (1998) sugerem que para as atividades com duração entre 1 e 3 horas e com intensidades entre 60 a 90% do VO2 máx. o ideal é ingerir antes do exercício de 300 a 500 ml/h de água. Tal procedimento objetiva atenuar o processo da desidratação e os efeitos da hipo-hidratação durante o exercício. Já, durante a atividade, os autores acima preconizam a ingestão de uma solução com sódio (10 a 20 mEq), cloreto (10 a 20 mEq) e carboidratos (6 a 8%) em um volume de 500 a 1000 ml/h para a oferta de carboidratos, e 800 a 1600 ml/h para a reposição hídrica. A justificativa apresentada Marquezi e Lancha Júnior (1999), para a utilização da solução descrita acima, consiste em fornecer carboidratos para amenizar a depleção de glicogênio muscular que os exercícios com esta característica promovem; a presença de sódio visa otimizar a absorção intestinal de água e carboidratos, melhorando a palatabilidade e mantendo o volume extracelular; e, a presença do cloreto tem por finalidade otimizar a absorção intestinal de água.
A utilização de uma solução contendo carboidratos e eletrólitos, como descrito acima, para a reposição das perdas hídricas ocorridas durante as partidas também é indicada por Ostojic e Majic (2002); Vargas (2004); Guerra, Chaves, Barros e Tirapegui (2004) e Martin, Lambeth e Scott (2006). Mas, vale neste momento reiterar os apontamentos realizados por Maughan, Shirrefes e Leiper (2003), estes autores apontam que a concentração de carboidrato contida na solução deve atender a finalidade específica da solução. Pois, altas concentrações de carboidratos nos líquidos ingeridos vão retardar o esvaziamento gástrico, reduzindo a quantidade de líquido disponível para a absorção; concentrações muito altas resultarão em secreção de água no intestino e, assim vão realmente aumentar o perigo de desidratação. Altas concentrações de carboidratos (>10%) também poderão resultar em distúrbios gastrintestinais. Contudo, quando houver a necessidade de suprimento de energia durante o exercício, o aumento do conteúdo de açúcar das bebidas vai aumentar a oferta de carboidratos no sítio de absorção no intestino delgado.
Outra informação importante refere-se ao tipo de bebida ingerida. De acordo com Ostojic e Majic (2002); Maughan, Shirrefes e Leiper (2003); Vargas (2004); Guerra, Chaves, Barros e Tirapegui (2004) e Martin, Lambeth e Scott (2006) as bebidas esportivas presentes no mercado para comercialização apresentam-se maiores propriedades para hidratação, quando comparada com a água, por se constituir em um líquido mais completo para a reposição hídrica, de eletrólitos e carboidratos e por apresentarem maior palatabilidade.
Além do explicitado no parágrafo anterior, vale ressaltar que a temperatura do líquido ingerido não é o fator determinante para este cumpra o papel na hidratação. (PINTO; RODRIGUES; VIVEIROS; SILAMI-GRACIA, 2001). No entanto, a ingestão de líquidos em temperaturas frias aproximadamente 4º C, parece apresentar menor rejeição pelos atletas, quando comparadas a líquidos em temperaturas mais elevadas. Pois, as bebidas em temperaturas mais frias, aumentam a palatabilidade, o que ajudaria o atleta em exercício a se sentir melhor e ingerir mais líquidos. Tais efeitos sobre a sensação de bem-estar dos atletas não podem ser ignorados (MAUGHAN; SHIRREFES; LEIPER, 2003).
Mas, retornando a as estratégias de reposição hídricas, Marquezi e Lancha Júnior (1998), também afirmam que o consumo de uma solução contendo sódio (30 a 40 mEq), cloreto (30 a 40 (mEq) e carboidrato (50g/h) contribui para a reposição hídrica, para a ressíntese de glicogênio e de sódio após as atividades. Os autores supracitados destacam que a reidratação deve ocorrer preferencialmente no primeiros 20 minutos do período de recuperação, sendo que a solução deve apresentar boa palatabilidade a fim de encorajar o seu consumo.
Apesar de Vargas (2004) apontar indicações semelhantes quanto à característica e volume das bebidas ingeridas antes, durante e após os jogos, ele complementa afirmando, que os jogadores de futebol deve consumir um adicional de 250 ml de bebida esportiva imediatamente antes da partida. Além disso, ele destaca que os jogadores deverão ingerir a quantidade necessária para compensar as perdas ocorridas pelo suor.
O autor acima mencionado, afirma que a forma ideal de quantificar a necessidade de reposição hídrica dos futebolistas é pela pesagem dos jogadores antes e depois dos exercícios sem os acessórios.
Neste sentido, Vargas (2004) apresenta uma metodologia para o determinar individualmente o volume total de líquidos que devem ser ingeridos pelos atletas. O método consiste em pesar o atleta antes do treino, com a maior precisão possível, de preferência sem roupas e com a bexiga completamente esvaziada. Durante o treino, deve-se registrar todo volume de líquido ingerido. E, finalmente, deve-se urinar, medir o volume de urina, e pesar novamente nas mesmas condições que anteriormente.
No decorrer do exercício, deve-se ingerir todo o líquido que deseja, porém deve-se parar de ingeri-lo ao término do exercício até depois da pesagem.
1.Tabela de pesagem (extraído de Vargas (2004), p. 90).
Folha para calcular a taxa de sudorese e avaliar a hidratação.
Nome: ___________________________________________________________________
Data e hora: _____________ Lugar: _____________
Peso Inicial (em gramas)
A _____________
Peso Final (em gramas)
B _____________
Ingestão de líquido (mililitros)
C _____________
Tempo de exercício (minutos)
D _____________
Volume de urina (mililitros)
E _____________
Taxa de sudorese = [(A-B+C-E)/D]*60
F _____________ ml/h
Após a coleta dos dados como indicado acima, deve obter um valor na linha F que varia em 200 a 1500 ml/h, dependendo da intensidade do exercício, das condições ambientais, graus de aclimatação e de outras características individuais. A quantidade da linha F representa o total de líquido que se deveria repor durante cada hora de exercício, supondo as condições estarem semelhantes com as do dia da realização do levantamento (VARGAS, 2004).
Caso o valor obtido apresente uma quantidade negativa é porque se consumiu mais líquido do que o que foi perdido pelo suor, ou porque deve ter ocorrido algum erro na medição, ou nos cálculos. Outra dica apresentada por Vargas (2004) para a otimização deste controle, trata-se realização da operação de subtração de A-B, se caso obtiver um valor positivo maior do que 400 gramas significa que não houve ingestão significativa de líquido durante o exercício e que se deveria o atleta se esforçar para se acostumar a beber mais líquido durante a prática da atividade física.
Por fim, Vargas (2004) apresenta algumas medidas a fim de incentivar o hábito da ingestão de líquido. O autor afirma que no local do treinamento e dos jogos, deve-se ter garrafas individuais marcadas com o nome de cada jogador, com acesso fácil durante as pausas no jogo e no intervalo. Isto além de ajudar na reposição hídrica também pode servir para o acompanhamento da ingestão de líquido de cada atleta.
Considerações finais
Acreditamos que as informações apresentadas acima possam ajudar os responsáveis pela preparação de futebolistas, no que se refere a estratégias de reposição hídrica. Procuramos selecionar informações que atendam os anseios daqueles que estão envolvidos diretamente no dia a dia dos atletas. Obviamente uma discussão mais aprofundada dos mecanismos referentes à adaptação do organismo humano ao estresse ambiental e ao controle da desidratação necessitam de um maior embasamento científico. Algumas informações a este respeito podem ser encontradas na literatura referenciada abaixo.
Mas, vale retomar alguns pontos discutidos ao longo do trabalho que imaginamos ser essenciais para o evitar que os atletas tenham seu desempenho e sua saúde prejudicada pela desidratação. Primeiramente os treinadores, preparadores físicos e responsáveis pela modalidade devem encorajar os atletas para que estes ingeriam líquidos durantes os treinamentos e jogos. Além disto, estes profissionais devem adotar medidas organizacionais que incentivem os atletas a adquirirem o hábito da ingestão de líquido, como por exemplo, a disponibilidade de garrafas com líquido próximo ao local dos exercícios, paradas freqüentes das atividades para a hidratação, entre outras.
Outros aspectos importantes a serem retomados referem-se ao tipo e a temperatura da bebida ofertada aos jogadores. Como evidenciado na discussão acima, as bebidas isotônicas comerciais fornecidas geladas, parecem serem melhores do que a água para a reposição hídrica, de eletrólitos e glicogênio; elementos que são essenciais para prevenção na queda do desempenho e na prevenção de patologias como a hiponatremia. O consumo destas bebidas antes, durante e após os treinamentos e jogos previne que o organismo inicie os eventos esportivos desidratados, evitando o aparecimento da fadiga precoce e acelerando o processo de recuperação.
Referências
FLECK, S. F.; KRAMER, W. J. Fundamentos do treinamento de força muscular. Tradução Cecy Ramires Maduro. 2ª edição. Porto Alegre: Artmed, 1999.
GUERA, I.; CHAVES, R.; BARROS, T.; TIRAPEGUI, J. The influence of fluid ingestion on performnce of soccer players during a match. Journal of Sport Science and Medicine. v. 3, p. 198-202, 2004.
KIRKENDALL, D. T. Fisiologia do Futebol. In: BARROS NETO, T. L. (Coord.). A ciência do exercício e dos esportes. Tradução: Cláudia Ridel Juzwiak. Porto Alegre: Artemed, 2003. cap. 48, p. 804-813.
MARTIN, L; LAMBETH, A.; SCOTT, D. Nutritional practices of national female soccer players: analysis and recommendations. Journal of Sport Science and Medicine. v. 5, p. 130-137, 2006.
MARQUEZI, M. L.; LANCHA JUNIOR, A. H. Estratégias de reposição hídrica: revisão e recomendações aplicadas. Revista Paulista de Educação Física. v.12, n. 2, p. 219-227, jul./dez. 1999.
MAUGHAN, R. J.; SHIRREFES, S. M.; LEIPER, J. B. Líquidos e eletrólitos durante o exercício. In: BARROS NETO, T. L. (Coord.). A ciência do exercício e dos esportes. Tradução: Cláudia Ridel Juzwiak. Porto Alegre: Artemed, 2003. cap. 28, p. 442-453.
OSTOJIC, M. S.; MAZIC,S. Effects of a corbohydrate-electrolyte drink on specific soccer tests and performance. Journal of Sport Science and Medicine. v. 1, p. 47-53, 2002.
PINTO, K. M. C.; RODRIGUES, L. O. C.; VIVEIROS, J. P.; SILAMI-GARCIA, E. Efeitos da temperatura da água ingerida sobre a fadiga durante o exercício em ambiente termoneutro. Revista Paulista de Educação Física. v.15, n. 1, p. 45-54, jan./jun. 2001.
VARGAS, L. F. A. Hidratação no futebol. In: BARROS, T. L.; GUERRA, I. Ciência do futebol. Barueri: Manole, 2004. cap. 5, p. 85-99.
Autor: Carlos Rogério Thiengo -
thiengo@fc.unesp.br
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